Falar de
Feminismo é declarar guerra à História. Parece-me sempre uma questão perigosa.
Quando defendo as mulheres olham-me com estranheza julgando-me uma reaccionária
do século passado. Talvez a luta esteja terminada e enterrada juntamente com
aquelas que merecem o apelido de feministas. Porém, e mais uma vez através da
minha querida Woolf, tenho de questionar esse estado semi-seguro da Mulher.
É evidente
que não pretendo dedicar-me ao estatuto da mulher nem tornar este texto uma politiquice.
Mas será que a Mulher tem, de facto, um estatuto melhorado? Será que estamos
realmente vergadas às evidências de uma sociedade onde a igualdade dos sexos é
respeitada? E será que é necessária essa igualdade?
Virginia Woolf,
através das suas personagens, criou muitas faces para um mesmo problema.
Durante séculos o ser-se “feminino” era reprimido. Nem vou pôr em discussão as
questões práticas de uma sociedade machista. A mulher anulou-se. Dedicou-se a
outros assuntos sem ser o seu Eu. A sua existência como Mulher. Quando, em
pleno século XIX, se torna personagem central da realidade e da ficção ganha um
novo estatuto. De mulher doméstica, maternal e senhorial torna-se uma
mulher-Mulher. No fundo, passa a ter uma nova consciência quanto à sua feminilidade.
Atenção! Devo fazer uma pausa já para advertir o leitor que não é minha
intenção destruir aquilo que é, pelo menos para mim, a beleza da mulher. Aí as
mentalidades dos séculos passados soam-me mais sérias. A mulher é bela. É bela
na sua elegância, no seu estatuto de mãe, no seu estatuto de musa inspiradora
do poeta, etc. A minha questão é: por que deixa ela de ser bela quando se torna
independente? Piso terreno pouco sólido, bem sei…
À
literatura não passa despercebida esta mudança. Por um lado existe Tolstói: Quem
é a mulher quando não é Mãe, esposa, amante, mulher de sociedade? Não me parece
que ele tome qualquer partido na questão. Suponho que o fim de Anna Karenina
seja, numa leitura arriscada, uma forma de provar que o autor não sabe a resposta.
Nem a mulher a sabia naquela altura, creio. Por outro lado existem as irmãs
Bronte. Catherine Heathcliff, tão dona do seu nariz, é incapaz de ponderar as
consequências da sua independência. E até que ponto é ela independente se
existe sempre um homem por perto? Já Jane Eyre não é outra coisa senão apenas
mulher. Que assume as consequências de uma vida livre de todas as amarras
tradicionais. Surge então, já no glorioso século XX, Virginia Woolf e a sua tão
aclamada Clarissa Dalloway. Esta é quase o oposto de Anna Karenina. Se Anna não
é nada sem os seus estatutos, Mrs. Dalloway tenta fugir a essas classificações.
É neste caso que a figura masculina surge vergada à brutal existência da
Mulher. Não só à heroína como a todas as outras que a acompanham. Não creio que
seja por acaso que apenas morra um homem. Homem esse que é, de facto, Clarissa
numa leitura mais concentrada.
De “nada” a
mulher torna-se “tudo”. Porém é necessário perceber que ser mulher independente
e longe das amarras do lar onde tantas feministas agitam a sua revolução não
implica deixar de ser mulher. Daí ser tão interessante o tratamento que todas
estas personagens recebem. Todas procuram o respeito. E todos os homens se
vergam a essa simples exigência. Através de gestos, de palavras e de sentimentos.
Todas até encontrarem Mrs. Ramsay em Rumo
ao Farol. Ela, tão cheia de si, sente-se naturalmente mulher e nunca uma
estranha nesse papel. Mrs. Ramsay é tudo: mãe, esposa, mulher, amante,
intelectual, simples. Abraça todas as categorias; todas as outras mulheres. Sem
receios.
Assim,
posso, finalmente, chamar à discussão Elizabeth Bennet. Talvez a primeira
mulher romântica do feminismo quando este ainda não existia. Há uma oscilação
permanente entre a dependência e a independência. Afinal fala-se no século
XVIII onde a tradição masculina tem importância exagerada mas consistente. Se
por um lado Elizabeth quer a liberdade de sentimentos por outro não procura
abdicar do seu estatuto de senhora. Aqui devo considerá-la mais próxima de Mrs.
Ramsay. Ambas são sofisticadas de sentimentos sendo sempre fiéis a si mesmas.
Talvez pudessem ensinar Clarissa Dalloway a ser feliz. Talvez tivessem evitado
a morte de Anna Karenina.
Da ficção à
realidade chego ao importante estatuto das senhoras de pena em riste. Falo das
escritoras que, ao longo da história, nunca se deixaram intimidar pelos seus
esforços. Devo, claro, um especial agradecimento a Jane Austen. Quantas de nós
teríamos a sua coragem? Não terá sido ela o grande incentivo desta reviravolta
feminina? Não deixo nunca de pensar que todas estas mulheres escritoras (George
Elliot, Jane Austen, Virginia Woolf, as irmãs Bronte) tiveram a coragem de ser
tudo o que Mrs. Ramsay é. De notar a subtileza com que geriram as casas, os
maridos e os filhos a par com uma carreira na escrita que, mais ou menos
camuflada por questões óbvias, nunca deixou de ser importante e prioritária.
Hoje em dia
a mulher já não se sente a protagonista. Já não a vejo lutar para ser Vista.
Não se trata de chamar a atenção. Trata-se de ser mulher no mundo. Os seus
sentimentos são deixados ao acaso de um amor impossível e um pouco mal tratado,
de um ódio, de uma necessidade. Aquilo que as heroínas procuravam antigamente
(e encontravam, atrevo-me a dizer), as heroínas de hoje renegam.
Talvez a
culpa seja do mundo. Da velocidade do mundo. Se pensarmos que em Portugal o
feminismo tomou as proporções de política e nem sempre de uma necessidade
social estou em dúvida se terá, de facto, existido uma consciência de mudança.
A julgar pela quantidade de mulheres no poder dentro e fora das nossas
fronteiras creio que nos falta a garra feminina para vingar.
Resta-me,
portanto, a pergunta infame: quais as fronteiras do feminismo? Terá Simone de
Beauvoir razão? Será o feminismo apenas uma questão que a mulher tem de
colocar? Será apenas a busca pelo direito ao direito? À escolha? Ou é algo
maior e mais cheio de entranhas políticas e tradições arrancadas pela raiz sem
lógica ou ponderação? É claro que as consequências do Feminismo existem. A
mulher tem tendência a perder o seu estatuto de Senhora. Mas será que o
Feminismo pretende, realmente, a igualdade entre os sexos? No fundo, para subir
um degrau na justiça da sociedade é ter de abdicar de privilégios que não
passam, na verdade, de boa educação? Há, então,
alguma tristeza quando penso que não voltarei a conhecer mulheres belas e
inteligentes em busca de si próprias. A nossa luta parece terminada. Mas parece apenas. O trabalho precisa ser
continuado para que as nossas antepassadas não sejam esquecidas. Para que a sua
herança não tenha sido deixada em vão e votada ao esquecimento.